Para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), “hoje, o maior perigo à democracia e ao Estado de Direito é a instrumentalização das redes sociais por competentíssimos grupos extremistas”. Foi o que ele afirmou na sexta-feira (28) durante o painel “O Mundo em Eleições e o Futuro da Democracia Representativa”, no último dia do XII Fórum Jurídico de Lisboa.
O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Lisbon Public Law Research Centre (LPL) da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (FGV Justiça).
Em sua fala, Alexandre explicou que o perigo à democracia no mundo atual “é o mesmo perigo de sempre, um perigo tradicional”, consistente na “exploração de determinadas condições sociais e econômicas, traumas e frustrações por grupos políticos, que alavancam o populismo, transformando ou pretendendo transformar a democracia em uma demagogia”.
Segundo ele, “sempre há, na espreita, na obscuridade, grupos que pretendem desvirtuar a democracia, transformando-a na deturpação da ideia de democracia, que é a demagogia, para instalar um populismo e, com isso, afastar gradualmente o Estado democrático de Direito”.
No entanto, apesar de o perigo ser o mesmo de sempre, o desafio é novo porque os métodos usados pelos novos grupos antidemocráticos são diferentes. Ele explicou isso em dois pontos.
O primeiro deles é que, antes da Segunda Guerra Mundial, esses grupos não tinham o “fortíssimo obstáculo” da jurisdição constitucional. Após o conflito, para dificultar o acesso de fascistas, nazistas e golpistas ao poder, os aliados exigiram que as Constituições italiana, alemã e japonesa instituíssem a jurisdição constitucional.
A partir disso, o novo populismo passou a ter novos “inimigos”: o Judiciário e sua jurisdição constitucional, que se colocaram como um grande obstáculo à quebra do Estado democrático de Direito.
O outro ponto é o surgimento das redes sociais, que passaram a ser instrumentalizadas contra a democracia. “Tudo isso forma o novo populismo extremista digital”, apontou Alexandre. Segundo ele, todos os democratas devem combatê-lo.
O ministro também voltou a defender a regulamentação das redes sociais. De acordo com ele, se uma empresa monetiza discurso de ódio e direciona os algoritmos de forma que essas mensagens cheguem mais rapidamente, com o intuito de aumentar seu próprio proveito econômico, ela está sujeita à “regra normal de responsabilidade civil”.
Com relação à desinformação eleitoral, ele ressaltou que as big techs têm todas as informações das pessoas e direcionam notícias fraudulentas, “capturando a vontade do eleitor”. Esse movimento, segundo o magistrado, “é muito mais eficaz do que o horário eleitoral”.
Radicalismos e eleições
Riccardo Marchi, pesquisador do Centro de Estudos Internacionais no Instituto Universitário de Lisboa, fez um panorama sobre partidos populistas de direita radical na Europa nos últimos anos.
Ele mostrou que, nos primeiros 15 anos do século 21, tais partidos triplicaram sua média de votos. A média se refere a todo o continente — ou seja, não quer dizer que o aumento aconteceu em todos os países da Europa.
Marchi também indicou que os partidos de direita saudosistas do passado permanecem com porcentagens entre zero e 5% dos votos. Quem ganha espaço é a nova direita radical, com 15% a 30% dos votos.
Ele reconheceu que “há um crescimento consolidado e bastante constante da nova direita radical” no Parlamento Europeu, mas ressaltou que “não é aquela onda avassaladora de que os meios de comunicação costumam falar”.
Segundo o pesquisador, neste momento há muitos partidos de direita radical dentro do Parlamento Europeu, mas não há uma perspectiva de um grupo unido desses partidos.
Já Vitalino Canas, presidente do Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe) e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), falou sobre as eleições mais recentes mundo afora e tirou algumas conclusões. Uma delas foi que “os piores vaticínios não se verificaram”.
“Essas eleições não trouxeram uma ameaça tão significativa quanto se pensava que poderiam trazer para a democracia representativa”, afirmou ele. “Mas trouxeram sinais que nos devem manter alertas e preocupados”.
No caso europeu, por exemplo, havia a ideia de que partidos com visão “eurocética” poderiam crescer muito, mas “isso não se verificou com a incidência que poderia ter se verificado”.
Já na Índia, todos os analistas “eram unânimes em dizer que se estava em uma trajetória de iliberalismo e autoritarismo”, protagonizada pelo primeiro-ministro Narendra Modi, mas ele acabou perdendo a maioria que tinha no Parlamento.
Fonte: ConJur